Tuesday, September 30, 2014

Uma visão para a cooperação brasileira para o desenvolvimento


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Semana passada fui convidada pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) para falar sobre a cooperação brasileira na África e as oportunidades para a cooperação brasileira para o desenvolvimento no contexto das eleições presidencias no Brasil e da negociação da agenda global de desenvolvimento pós-2015 na ONU. 

Hoje existe uma nova visão da África graças,  principalmente, ao crescimento econômico ​​e ao fortalecimento da democracia em alguns países do continente. Em 2013 o PIB da África Subsaariana foi de 4,7% contra 3,5 % no ano anterior. Dois países da região ficaram entre os que mais crescem em todo o mundo

O Brasil está entre as economias emergentes que mais tem buscado oportunidades na África e expandido a presença no continente por meio de investimentos privados e da cooperação bilateral. O investimento direto brasileiro na África cresceu mais de três vezes entre 2001 e 2009, puxado por setores como construção civil, energia, agricultura, agronegócio, mineração e energia renovável. 

Nesse mesmo periodo, o Brasil aumentou de 17 para 37 o número de embaixadas na África, enquanto as embaixadas africanas no Brasil já representam a maior presença diplomática daquele continente na América Latina. As inúmeras visitas presidenciais, missões diplomáticas e comerciais também contribuíram para a formação de parcerias estratégicas com benefícios para ambos os lados

Mas vários países africanos ainda sofrem com a baixa capacidade institucional e a escassez de recursos humanos qualificados em setores chave da economia. Esse tem sido o principal desafio das empresas brasileiras que operam no continente; além dos próprios países africanos, que enfrentam dificuldades para reter os benefícios desses investimentos no longo prazo.

As políticas públicas nas áreas de formação técnica e profissionalizante, educação superior e pesquisa em ciência e tecnologia, bem como os investimentos para a formação de quadros docentes, financiamento de universidades e aparelhamento de laboratórios ainda são insuficientes. As antigas políticas coloniais e a ajuda oficial para o desenvolvimento, por sua vez, sempre focaram no acesso à educação primária e ofereceram poucos incentivos a outros níveis do ensino escolar, integração escola-indústria e pesquisa no continente africano.
 
É aí onde a cooperação brasileira para o desenvolvimento e as iniciativas lideradas pelo setor privado complementam as políticas tradicionais na África.

A cooperação brasileira para o desenvolvimento é guiada por um conjunto de princípios dentre os quais dois se destacam. O primeiro é a abordagem estruturante, que foca no desenvolvimento de capacidades locais, desde a formação de recursos humanos até o fortalecimento de instituições, por meio da transferência de conhecimento e tecnologia. O segundo é o princípio da horizontalidade, ou seja, da construção de parcerias para a troca de experiências, aprendizagem mútua e partilha de responsabilidades e resultados.

Esses dois princípios fazem com que a cooperação brasileira seja multifacetada e flexível. Na área da educação profissionalizante e superior, por exemplo, a cooperação brasileira envolve desde a concessão de bolsas de estudo em nível de graduação e pós graduação, passando pela formação técnica de jovens para o trabalho, até o desenvolvimento de metodologias e políticas públicas para o fortalecimento do ensino.  

A maioria destas iniciativas é inspirada em políticas públicas brasileiras e executadas pela Agência Brasileira de Cooperação, em um intrincado sistema de coordenação com entidades como o  MEC, o MCTI, a Embrapa, a Fiocruz, o SENAI e mais de 97 entes do governo federal e instituições de ensino em todo o país.

As empresas brasileiras no exterior também tem importante papel para a educação nos países onde operam - apesar dessas iniciativas não serem oficialmente contabilizadas na cooperação brasileira para o desenvolvimento. Empresas como Vale, Odebrecht, Andrade Gutierrez e Grupo Pinesso são conhecidas pela contratação de um número elevado de trabalhadores locais. Em alguns casos, esse percentual chega a 90% da mão de obra total da empresa no país em todos os níveis de trabalho.

A falta de mão de obra local qualificada e semi-qualificada ainda é um dos principais obstáculos enfrentados por essas empresas. Para contornar este problema, as grandes empresas com estratégias de investimento de longo prazo no continente tem incorporado o desenvolvimento de capacidades e habilidades técnicas dos trabalhadores locais em suas estratégias de negócios. Pequenas e médias empresas também tem investido em capacitação e treinamento, ainda que de maneira mais eventual.

Essas habilidades geralmente são desenvolvidas por meio de programas de aprendizagem, treinamento corporativo e bolsas de estudo fornecidas diretamente pela empresa, ou indiretamente por meio de parcerias com instituições de ensino locais e brasileiras, como as entidades do 'sistema S' de indústria. Como aproveitar esses investimentos privados em formação e educação para aumentar a escala e o impacto da cooperação brasileira para o desenvolvimento?

As eleições presidenciais no Brasil e a definição das metas globais pós-2015 para o desenvolvimento estimulam uma maior reflexão sobre o futuro da cooperação brasileira para o desenvolvimento.

Muito se fala sobre uma suposta ‘incompatibilidade’ entre a cooperação brasileira para o desenvolvimento e iniciativas lideradas pelo setor privado, sobretudo no que diz respeito à indução da oferta de cooperação, expropriação dos resultados e imposição de condicionalidades. Mas pouco se fala da capacidade que parcerias público-privadas tem em expandir as modalidades de implementação da cooperação brasileira, alavancar recursos e gerar maiores impactos, dentro de uma lógica horizontal e estruturante.

No Brasil, o modelo utilizado pelo SENAI é um exemplo de como parcerias público-privadas já ocorrem na cooperação brasileira para o desenvolvimento. Esse modelo é baseado na capacitação para o trabalho; ensino à distância; construção de centros de formação profissional; e prestação de serviços a empresas brasileiras no exterior.

Seria importante conhecer melhor esse e outros modelos de parceria público-privada na cooperação brasileira para o desenvolvimento, além de iniciativas e arranjos institucionais em países como a Turquía, Índia, China e México que, em maior ou menor grau, já vem promovendo parcerias público-privadas na cooperação Sul-Sul.

Outra oportunidade nos próximos anos será definir propostas concretas para um marco político da cooperação brasileira, um arranjo institucional mais forte para a Agência Brasileira de Cooperação, mecanismos mais estruturados para a coordenação e gestão do conhecimento entre os entes que fazem parte do ‘sistema brasileiro de cooperação’ e novas ferramentas de monitoramento e avaliação. 

Da mesma maneira, também será preciso entender melhor os objetivos, as aborgagens e os instrumentos da cooperação brasileira nos diferentes setores em que atua, como eles se integram entre si, como eles complementam a cooperação de outros países do Sul e do Norte, e, principalmente, como eles respondem às demandas locais de desenvolvimento.

Qual futuro para a cooperação brasileira para o desenvolvimento? Deixe o seu comentário! 

LEIA MAIS: 
VAZQUEZ, Karin and CARRILLO, Susana (2014) Sustaining the Benefits of Brazilian Direct Investments in Sub-Saharan Africa: Skills and Capacity Development. Rio de Janeiro: CEBRI Dossie Brasil-Africa

VEJA MAIS: 

Íntegra da entrevista para o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) sobre as oportunidades da cooperação brasileira para a África e o futuro da cooperação brasileira para o desenvolvimento, no contexto das eleições presidenciais no Brasil e da definição das novas metas globais para o desenvolvimento. 

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